Originalmente desenvolvido para ser um curta-metragem de 10 minutos, o projeto de "A Fortuna de Ned" (Reino Unido, 1998), de Kirk Jones, foi transformado em um longa (ainda bem!), que levou apenas 5 semanas para ser filmado, com toda a equipe trabalhando quase de graça para que ele pudesse ser realizado, um esforço que valeu muitíssimo a pena. O sucesso foi tão grande que, em São Paulo, por exemplo, a sua campanha de lançamento até espalhou velhinhos "nus" pela cidade, como relata o crítico Luiz Carlos Merten em texto publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo e replicado pela Folha de Londrina. Logo na manchete, Merten afirma que "humor e sensibilidade explicam o sucesso de 'A Fortuna de Ned'". Leia abaixo a crítica completa.
Humor e sensibilidade explicam o sucesso da comédia "A Fortuna de Ned"
Por Luiz Carlos Merten
Não se espante se amanhã (30) você estiver passando numa das grandes avenidas de São Paulo e vir um velhinho magricelo nu numa motocicleta. O velhinho não estará nu claro, mas vestindo um colant cor-de-carne tão rente ao corpo que você será capaz de jurar que ele está despido. Na verdade, não será um, mas serão três os velhinhos espalhados pela cidade. Fazem parte da campanha para promover o filme "A Fortuna de Ned", que estreia amanhã.
É uma das boas surpresas do ano: "A Fortuna de Ned", produção irlandesa dirigida por Kirk Jones, está sendo comparado a "Ou Tudo ou Nada", do inglês Peter Cattaneo, ambas produções europeias independentes, distribuídas por grandes empresas americanas. Em "A Fortuna de Ned", distribuído pela Fox Searchlight, em vez dos desempregados do outro filme, a ação mostra agora os habitantes de um vilarejo perdido da Irlanda, Tully More, tão modorrento e cheio de gente divertida e simpática quanto a Innisfree de John Ford em "Depois do Vendaval".
São apenas 52 pessoas e, quando o filme começa, uma delas ganhou na loteria. Dois dos habitantes procuram o felizardo. Descobrem que é um homem que morreu fulminado por um ataque do coração ao descobrir a sorte. Adivinhe se eles não vão fazer-se passar por Ned para receber a fortuna. Logo, toda a cidade está implicada na operação disfarce. Bem, não toda a cidade porque... É melhor não dizer do que se trata para não tirar a graça do desfecho.
Ian Bannen é um ator veterano. Fez muitos (e bons) papéis de coadjuvante. Talvez não esperasse, a esta altura da vida, ser o astro de uma comédia tão espirituosa. É um filme de Kirk Jones, que é um dos diretores de comerciais mais aclamados da Inglaterra. Jones não revela nada parecido com o estilo publicitário que marca a incursão da maioria de seus colegas pela direção. Faz um tipo de humor que, somado ao sucesso de "Ou Tudo ou Nada", parece indicar o retorno do humor inglês aos bons tempos das comédias dos Estúdios Ealing.
Mas, atenção, que ninguém espere uma comédia para morrer-se de rir. O humor negro de "A Fortuna de Ned" é entremeado de cenas de grande sensibilidade, até porque o olhar que o diretor lança sobre seus personagens vem impregnado de ternura. Jones fala sobre adultos, a maioria velhinhos, que revelam uma alma inocente, quase infantil, o que não os impede de ser gananciosos e malvados.
Jones é o primeiro a confessar que teve dificuldade para tornar possível a produção. Numa época em que o mercado está voltado preferencialmente para os jovens, ninguém queria colocar dinheiro num filme sobre dois velhinhos que sonham com a fortuna. Mas os personagens de Bannen e David Kelly, que se chamam, respectivamente, Jackie OShea e Michael OSullivan, terminaram por impor-se justamente por isso: andam em suas motos, tomam banho de mar nus e bolam uma imensa armação. Tudo porque são sonhadores e querem ficar ricos. Pessoas de todas as idades podem identificar-se com eles. É o que está acontecendo em todo o mundo.
Mesmo sem repetir os números de "Ou Tudo ou Nada", que continua sendo o maior sucesso recente da história do cinema inglês, "A Fortuna de Ned" está tendo excelente acolhida de público e crítica. É uma boa experiência ver Bannen e Kelly em cena. Eles são mais engraçados do que Jack Lemmon e Walter Matthau na série dos velhos rabugentos.
Para assistir ao filme, clique no link: www.belasartesalacarte.com.br/a-fortuna-de-ned
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