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Pecados Antigos, Longas Sombras | Alberto Rodríguez | Espanha | 2014

Atualizado: 16 de abr. de 2020

Este cult espanhol, vencedor de 10 prêmios Goya, é “mais que investigação sobre um crime particular, Pecados Antigos é diagnóstico de quanto custa vasculhar velhos armários para deles retirar os esqueletos escondidos”, segundo o crítico Luiz Zanin Oricchio, no texto que você vai ler a seguir.


'Pecados Antigos, Longas Sombras' alia investigação criminal a uma meditação política

Longa é dirigido pelo espanhol Alberto Rodríguez


Luiz Zanin Oricchio, O Estado de S.Paulo


O diretor espanhol Alberto Rodríguez chamou seu filme de La Isla Minima. Mas os distribuidores acharam o título misterioso demais para o espectador brasileiro e o rebatizaram de Pecados Antigos, Longas Sombras, operação que só faz roubar um tanto do seu encanto e mistério. Mas, enfim, obviedades à parte, o filme continua lá e é ele que nos interessa.

Mesmo porque é brilhante, conforme reconheceu o Prêmio Goya, o “Oscar”espanhol. La Isla arrebatou nada menos que dez troféus dos 17 em disputa, o que o transformou no filme espanhol mais importante do ano passado. Por coincidência, ele estreia no Brasil junto com o argentino O Clã, do qual se aproxima em termos temáticos. Ambos falam da herança maldita das ditaduras, que deixam cicatrizes, marcas e traços, e se incrustam no cotidiano das pessoas, e lá permanecem, mesmo depois de serem varridas pelo vento histórico.

A aproximação é apenas temática, pois os estilos são muito diferentes. Se O Clã investe no tom de thriller policial, Pecados Antigos prefere um andamento mais reflexivo, quase metafísico, embora tenha como ponto de partida a investigação de um crime brutal. Nesse sentido puramente estético, se aproxima de uma das obras-primas do cinema espanhol, O Espírito da Colmeia, de Victor Érice, ele também uma evocação ao franquismo.

A história aqui é a seguinte: numa pequena aldeia da Andaluzia, duas irmãs são assassinadas durante uma festa local. As meninas ficam desaparecidas por alguns dias e depois os corpos aparecem, com sinais de tortura e violação.

Uma dupla de policiais é destacada para desvendar o crime. Eles não pertencem ao local. Ao tentar obter informações, os policiais se batem contra uma muralha de silêncio. Mesmo o pai das meninas não parece lá muito cooperativo. A explicação para o laconismo do homem parece muito banal aos outros moradores. Eles dizem que as garotas assassinadas, Carmen e Estrella, tinham fama de “fáceis”. Já teriam causado desgosto demais ao pai que, assim, prefere calar. As outras pessoas também acham melhor cuidar de suas vidas e deixar em paz os mortos e os segredos do povoado de Villafranco.

O caso se dá nos anos 1980, quando a Espanha, há pouco redemocratizada, sente ainda os miasmas do franquismo, que dominou o país por mais de 40 anos – de 1939 a 1976, para dar a conta exata. Ainda depois de finda a ditadura, o país continua, em especial nas regiões rurais, presa de um conservadorismo dos mais severos. O machismo impera e a duplicidade instala-se, à medida que, bem ou mal, o mundo antigo começa a confrontar-se com o moderno. A presença da droga convive com a rigidez dos costumes. O sexo mais livre estigmatiza mulheres mais liberadas. As pessoas calam-se pois falar seria colocar à luz do dia assuntos que precisam ser escondidos. Esses vapores tóxicos da sociedade se encontram na metáfora nos soturnos pântanos da região. A neblina tolda o olhar e impede que se veja claro. Mas ver de modo nítido é a finalidade de toda a investigação.

Mesmo eles, os dois tiras, dão corpo a essa ambivalência. Um deles, Pedro (Raúl Arevolo) é íntegro e voluntarioso. Deseja voltar a Madri, onde tem família e de onde foi removido por externar opinião políticas. O outro, Juan (Javier Gutiérrez) parece mais prático e até certo ponto mais adaptável. Consegue relacionar-se melhor com os moradores, mesmo porque é tão ambíguo quanto eles. E talvez tenha algo em seu passado que o faça compreender a natureza do crime melhor que seu parceiro mais moço e portanto menos experiente.

Mais que investigação sobre um crime particular, Pecados Antigos é diagnóstico de quanto custa vasculhar velhos armários para deles retirar os esqueletos escondidos. Essa tentativa de visão panorâmica se expressa nos planos aéreos da região, vista como um mapa, no qual pedaços de terra e água se entrelaçam de maneira indefinida. A beleza da fotografia não torna esses planos menos inquietantes.



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