Jim Jarmusch encantou o mundo com os maravilhosos – e hoje clássicos – "Estranhos no Paraíso" (1994) e "Daunbailó" (1986), passando a ser um dos maiores diretores do cinema independente americano contemporâneo. Desde que estreou como cineasta, entre videoclipes para bandas famosas, como os Talking Heads, trabalhos para a TV e curtas-metragens, Jarmusch realizou 13 longas ficcionais, e coleciona dezenas de prêmios conquistados nos mais importantes festivais do mundo. Adorado por cinéfilos de várias gerações, com o (literalmente) poético "Paterson" (EUA, 2016), um dos seus filmes mais recentes, ele encantou a todos ao contar a história do motorista de ônibus que escreve belas poesias inspiradas em seu cotidiano. Com o astro Adam Driver no papel-título, "Paterson", como bem disse o crítico Paulo Cavalcanti, "é mais uma ótima obra reflexiva de Jim Jarmusch". No ótimo texto publicado na Revista Rolling Stone, Paulo segue dizendo que "em sua simplicidade e modéstia, o filme tem humor, coração, cérebro e várias surpresas". Leia abaixo o texto completo.
Paterson, com Adam Driver, é mais uma ótima obra reflexiva de Jim Jarmusch
Em sua simplicidade e modéstia, o filme tem humor, coração, cérebro e várias surpresas
PAULO CAVALCANTI PUBLICADO EM 21/04/2017, ÀS 16H07 - ATUALIZADO ÀS 16H32
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Ao longo de Paterson, do diretor Jim Jarmusch, fica impressão de que estamos assistindo a um remake despretensioso de O Feitiço do Tempo (1991). Assim como acontecia com Bill Murray no cultuado filme, Paterson, o personagem, repete a cada dia as mesmas situações do dia anterior. Ele acorda religiosamente no mesmo horário; vive os mesmos rituais matinais; passa pelos mesmos caminhos e encontra as mesmas pessoas. Apesar das familiaridades existentes no meio da jornada existe sempre um pequena diferença, um ganho a ser acrescentando à experiência rotineira. Se no filme estrelado por Murray a repetição acontecia devido a uma espécie de "magia", aqui a coisa é real: a vida dele não consegue passar de uma série de fatos que simplesmente não param de acontecer de novo e de novo.
Paterson é interpretado pelo notável Adam Driver. Ele é um motorista de ônibus que vive em uma cidade (real) também chamada Paterson, em Nova Jersey. A vida dele aparentemente é banal, mas tem suas recompensas. O rapaz aproveita os momentos de folga para escrever poesia – são divagações sobre o que ele vê em sua caminhada e, principalmente, fragmentos de conversa dos passageiros que ouve enquanto dirige. Uma caderneta o acompanha o tempo todo e, se algo acontece e a inspiração bate à porta, Paterson anota tudo. O recurso utilizado para declamar as poesias, quando descrito, parece irritante: elas são apresentadas no alto da tela e Paterson as lê em voz alta. Pode acreditar, não é. Funciona bem.
Faz parte do cotidiano do protagonista chegar em casa e saber o que a esposa, Laura (a iraniana Golshifteh Farahani), inventou durante a ausência dele: em um dia, ela faz cupcakes; no outro, redecora a casa. Depois, cisma que quer ser cantora de música country. Laura é adorável e excêntrica, e fica evidente que Paterson a adora. O casal tem um pequeno buldogue e existe uma birra mútua entre Paterson e o cão. Mas ele, para não contrariar a esposa, leva o bicho para passear todas as noites, aproveitando para tomar uma cerveja no caminho. Paterson é de poucas palavras, mas é um ótimo ouvinte, e sempre bate um papo com Doc (Barry Shabaka Henley), o proprietário do bar. A observação dos dramas humanos que se desenrolam no local são posteriormente convertidos em mais matéria-prima para suas poesias.
O dublê de poeta e motorista de ônibus não se considera um intelectual, um artista ou coisa parecida, guardando os escritos para ele próprio. Ocasionalmente Paterson mostra alguma coisa para Laura, que, maravilhada, não concorda com a ideia do marido de que eles não devem publicados. Embora o relacionamento com Laura seja o melhor possível, ele é basicamente um solitário, um outsider que está mais feliz no porão, rodeado de seus livros de poesia e de história dos Estados Unidos. Ele sabe que a verdadeira satisfação não vem do ato de acumular coisas, e sim saber em que chão você está pisando e o que você pode efetivamente oferecer ao mundo.
Sem sermões ou moralismo, fica claro que Paterson não liga para banalidades como celulares, redes sociais, aplicativos e outros artifícios de um gregarismo superficial nos quais as pessoas hoje estão envolvidas até o pescoço e não conseguem mais se desgrudar. Nem televisão ele vê. A observação e interação humana trazem mais recompensas para a alma dele. "A gente já vivia antes destas coisas aparecem", o poeta diz em um momento.
Jarmusch sempre foi um diretor muito norte-americano, mas nada hollywoodiano. Como contador de história, ele é contemplativo e sempre detalhista. Estas qualidades são a mola-mestra do filme. Apesar de a poesia ter um peso grande na trama ela não exatamente é o mote principal – na verdade, o filme é uma celebração dos pequenos detalhes que movem a vida das pessoas. Mas a mensagem tem uma certa ironia, revelada mais adiante. Em sua simplicidade e modéstia, Paterson tem humor, coração, cérebro e várias surpresas.
Assista ao filme no Belas Artes À LA CARTE:
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