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Diário de Cannes – O filme que mais gostei

19.07.2021

Por André Sturm, presidente e curador do Belas Artes Grupo



Este ano havia muito menos profissionais do mercado. Com isso, menos gente para assistir aos filmes e... menos filas! Depois de décadas, eu conseguia entrar e sentar para assistir a pelo menos dois filmes por dia. Estou neste “business” antes de mais nada por adorar cinema! Mas o Marché (nome do Mercado de Filmes de Cannes) é tão estressante e cheio que eu passei edições inteiras tendo visto um ou dois filmes apenas. Dito isso, assisti a diversos filmes na competição oficial e nas demais sessões. Ainda deu para ir em algumas de filmes em sessões de mercado.


Todo mundo sabe que sou fã da atriz francesa Sandrine Kiberlain. Quando soube que ela teria um filme na seleção da Semana da Crítica (uma das mostras oficiais do festival) fiquei entusiasmado. Confesso que mais pela oportunidade de conhecê-la do que pela qualidade do filme. Iniciado o mercado, fui buscar meu convite com a sales do filme (empresa que vende os direitos). Dia do filme, banho tomado, cabelo penteado, roupa caprichada, fui para o cinema. Como tinha um convite “vip” pude entrar na frente da fila (huhu!!). Sala cheia, apresentação do filme, início da sessão. Primeira boa surpresa: ela não atuava no próprio filme, pois 90% dos atores que se tornam diretores, se colocam em papel de destaque. O filme conta a história desta jovem de 18 anos, que faz parte de um grupo amador de teatro, carreira que ela pretende seguir. E acompanhamos sua vida: o grupo de amigos, a rotina em casa com a família judaica (pai, avó e irmão um pouco mais velho), interesse por rapazes, melhor amiga. Enfim, uma jovem vivendo sua vida, cheia de planos.


Mas estamos em 1942, os nazistas já ocupam Paris e o governo francês estabeleceu uma administração de colaboração. Ela e os amigos seguem com sua vida, mas ao redor, as coisas vão mudando. O pai, a avó e o irmão, de certa forma, representam as atitudes dos judeus frente à situação. A personagem é apaixonante. Ela tem uma energia, entusiasmo que contagia os que estão ao seu redor. O título em inglês é muito feliz: “A Radiant Girl” (Uma Garota Radiante). O original francês, embora diferente, idem: “Une jeune fille qui va bien” (Uma jovem mulher que vai bem). Rebecca Marder interpreta Irene de uma forma brilhante. Você absolutamente entende porque ela é o centro motor da família, dos amigos, do grupo de teatro. Eu não conhecia a atriz e fiquei impressionado. Soube depois que ela, mesmo jovem, já integra o prestigioso grupo La Comédie-Française.


Todos os atores estão perfeitos em seus papéis. Mostra que Sandrine aproveitou ter trabalhado com alguns dos melhores cineastas em atividade, não apenas para apresentar lindos trabalhos como atriz, mas para se tornar ela mesma, excelente diretora de atores. De certa forma, porém, isso seria de se esperar. O que surpreende é a leveza da mise en scene. A direção propriamente dita. Além de não atuar em seu próprio filme, ela não tenta mostrar sua “mão” como diretora, como acontece com muitos estreantes. A câmera não fica balançando ou correndo; não há cenas gráficas; não há virtuosismo gratuito. Mostra sim uma direção segura e leve. A câmera se move quando precisa, mostra o que vale exibir. A narrativa é fluida, mas cheia de subtextos, tanto pessoais como históricos. Fala de um dos piores eventos da humanidade, o holocausto dos judeus da 2ª Guerra, sem mostrar guerra, batalhas, campos, nazistas, mas coloca os pingos nos Is. É leve na aparência, (como diz o título francês), mas agudo no que insinua ou “mostra” fora do quadro. Genial!


Ao final da sessão, Sandrine foi aplaudida por mais de 5 minutos, a duração total dos créditos finais. Merecido reconhecimento por um belíssimo filme.

No dia seguinte fui logo cedo visitar a agente de vendas e perguntar se Sandrine estaria na cidade para entrevistas, pois eu queria estar em alguma. Tanto perturbei que fui incluído numa sequência de entrevistas no dia seguinte pela manhã. E lá fui eu, junto com uma jornalista austríaca, tão entusiasmada como eu. Foi muito bacana ouvir ela falando de seu filme, confirmando as intenções que eu havia visto. Ela destacou que a história se passa neste período tenebroso da humanidade, mas que ela queria falar de todas as Irenes do mundo, cheias de planos e perspectivas e que tem tudo isso interrompido pela violência do entorno. Sua família é judia de origem polonesa e a maior parte foi morta em campos de concentração e por isso ela escolheu este momento, que é próximo a ela. Ela citou outros momentos em que “Irenes” tiveram seus futuros interrompidos. Foi um novo ponto de vista delicado e forte. Gostei ainda mais. É isso: Agora temos uma extraordinária atriz e uma grande cineasta!


Para finalizar, claro que o Belas Artes Grupo adquiriu os direitos e o filme estreará no Brasil no início de 2022. Espero que com a diretora aqui para falar mais sobre esta linda obra!




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