O grande diretor alemão Wim Wenders, nascido em 14 de agosto de 1945, está completando 75 anos de vida, e a ocasião se torna mais do que propícia para uma revisitação à sua preciosa obra. Para combinar com o clima de festa, nada mais perfeito do que o grande encontro dos músicos cubanos da antológica casa de música “Buena Vista Social Club”, que resultou no belíssimo filme homônimo, realizado por Wenders em 1999, uma coprodução entre Alemanha, EUA, Reino Unido, França e Cuba. Neste emocionante registro, segundo o crítico de cinema Amir Labaki, "Wenders assina uma sofisticada ode à cultura e ao povo cubano". Leia abaixo o texto completo.
"Buena Vista Social Club" é retrato de dignidades
AMIR LABAKI da Equipe de Articulistas O maior feito de Wim Wenders em "Buena Vista Social Club", o documentário (que chega hoje a São Paulo, logo após perder o Oscar da categoria para "One Day in September", no último domingo), foi reproduzir harmonicamente em filme a encantadora simplicidade do som da "Buena Vista Social Club", a banda de veteranos músicos cubanos reunida em Havana por Ry Cooder. O sucesso da empreitada de Cooder inclui mais de 1 milhão de CDs vendidos, um Grammy, uma série de novas gravações e toda uma revalorização de boleros e mambos cuja delicadeza parecia condenada à extinção na era de Jennifer Lopez e Ricky Martin. Wenders estrutura seu documentário mais generoso e intimista a partir de pouquíssimos elementos. No breve prólogo, Cooder nos põe em sintonia com o habitat de seus músicos num passeio de moto pela puída Havana. No mais, o filme alterna trechos de shows de 1998 da banda em Amsterdã e em Nova York com perfis de seus principais membros, colados a instantâneos do cotidiano cubano. Com raras exceções, a idade dos músicos varia entre 70 e 90 anos. A história de cada um os afirma como talentos precoces, vários dos quais resgatados por Cooder da aposentadoria. Este engraxava sapatos, aquele enrolava charutos, outros jogavam dominó. Se a banda lhes devolveu a música, a câmera resgata-lhes a história. Wenders filma cada personagem num cenário vazio -um bar, uma casa, uma praça, uma sala de ensaios. A câmera circunda-os incansavelmente como esfinges nas areias do deserto. E Wenders ouve. Pela primeira vez em seus documentários desde "Chambre 666" (1982), o cineasta alemão aposenta sua onipotente narração em "off". Em nenhum instante, eleva-se sua voz -e raras vezes ela se fez ouvir com tamanha eloquência. "Buena Vista" sabe confiar no registro do real, frisado pela textura toda própria das imagens eletrônicas captadas por câmeras digitais. Wenders dedica cada capítulo a um personagem, na forma de retratos impressionistas, combinando depoimento e extratos de solos nos shows. O cantor Ibrahim Ferrer logo se impõe sobre os demais, lembrando antes um misto de Zé Keti e Paulinho da Viola do que o "Nat King Cole cubano" descrito no filme. O violonista Compay Segundo é um legítimo dândi habanero, partindo para o sexto filho entre o "puro" da manhã e o da tarde. Já Rubén González reencontra o piano após quase dez anos de separação -e o toca como ao corpo de uma velha amante recuperada. Wenders conclui seu documentário com a triunfal apresentação do Buena Vista Social Club no mítico Carnegie Hall nova-iorquino, em julho de 1998. Sua câmera voa da nobre mas decadente Havana de Castro à nobre e abundante Manhattan de Giuliani. Vários significados se sobrepõem, como as tintas nas descascadas fachadas dos edifícios de Havana. Há, do geral ao particular, o restabelecimento de um eixo musical mutuamente inspirador na primeira metade do século 20, a revalorização de ritmos cubanos quase esquecidos, o sucesso do projeto de Cooder, a vitória pessoal de cada músico. Na estudada montagem da sequência final, Wenders frisa o subtexto político desta conclusão. A câmera deixa o palco nova-iorquino para flanar uma última vez pelas ruas de Havana. Repetem-se as imagens dos velhos carros, prédios decadentes, gente modesta e simpática. "Esta revolución és eterna", proclama um cartaz. Em seguida, falta um "r" em outro letreiro, identificando o imponente teatro Karl Marx. "Creemos en los sueños", sustenta uma frase pintada num muro. A bandeira cubana acrescenta ecos patrióticos a esses sonhos. Ela é flagrada ao vento no deslumbrante beira-mar do Malecón de Havana e levada às mãos da banda em pleno palco do Carnegie Hall. Em vez de se render à propaganda pró ou anticastrista, Wenders assina uma sofisticada ode à cultura e ao povo cubano, uma espécie de equivalente audiovisual a "Havana de um Infante Defunto", de Cabrera Infante. Tudo que quer dizer cristaliza-se numa imagem inesquecível -um solo em close no show nova-iorquino. Naquele momento, o rosto de Ibrahim Ferrer concentra toda a dignidade do mundo.
Para assistir ao filme, clique no link abaixo: https://www.belasartesalacarte.com.br/buena-vista-social-club
Para mais dicas de filmes acesse, nosso canal no youtube: https://www.youtube.com/playlist?list=PLRfAH2mCppncttpPj10DfOEdW9buvwUXi
Comments