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Bagdad Café | Alemanha | 1987 | Percy Adlon

Atualizado: 16 de abr. de 2020

"Bagdad Café"(Alemanha, 1987), maravilhoso cult do diretor alemão Percy Adlon, foi indicado ao Oscar de Melhor Canção Original, a linda "Calling You", e venceu o prêmio César de Melhor Filme Estrangeiro. O elenco primoroso tem como protagonistas Marianne Sägebrecht, a adorada musa do diretor, e CCH Pounder, a Carolyn Maddox da série "Lei & Ordem", ambas incríveis. Engraçado, emocionante, inesquecível. "Bagdad Café" é "um filme que aquece os corações e nos deixa com uma bela memória afetiva", como bem definiu este belíssimo texto que você vai ler a seguir, publicado originalmente no Tangerina Mecânica.




Encontros e Recomeços em ‘Bagdad Café’


Estréia do diretor alemão Percy Adlon nos Estados Unidos, ‘Bagdad Cafe’ (título original “Out of Rosenheim”) produção de 1987, é um daqueles filmes que não chamava atenção nas prateleiras das locadoras naquela época por ser uma produção de um diretor estrangeiro, com uma atriz desconhecida alemã e falando sobre separações e amizade. Entretanto, passados 30 anos, o filme ganhou o status de cult e o streaming nos dá a oportunidade de (re)conhecer essa obra atemporal, que, em poucas palavras, pode ser descrita como um filme que aquece os corações e nos deixa com uma bela memória afetiva.

Sem sabermos muito bem porquê, iniciamos com a turista alemã Jasmin Münchgstettner (Marianne Sägebrecht) brigando com seu marido, aparentemente perdidos na estrada em direção a Las Vegas, “a desert road from Vegas to nowhere”. Ela então, em um ataque de raiva, pega sua mala e sai andando pelo acostamento e ele, ao invés de contemporizar, vai embora e simplesmente a deixa. No mesmo momento, Brenda (CCH Pounder) briga com seu marido no café e hotel decadente que gerencia na beira da estrada, e após uma discussão acalorada acaba por também mandá-lo embora. É nesse contexto que as duas se encontram, com Jasmin, suada e rosada após andar pela estrada embaixo do sol quente com seu terninho e chapéu bávaro, chegando ao hotel e pedindo um quarto.

Brenda dirige o Bagdad Café (estabelecimento que dá nome ao filme), e vive ali com dois filhos e um neto, levando uma vida sofrida e desorganizada – e todo o local, inclusive sua própria aparência, refletem esse abandono. Com poucos clientes, sujo, empoeirado, e com uma atmosfera tão estagnada que sugere que o tempo ali passa mais devagar, o café é um ambiente totalmente desprovido de alegria e acolhimento. A chegada de Jasmin piora as coisas, já que Brenda, desequilibrada em suas emoções, vê a figura pitoresca da alemã roliça com olhos desconfiados, enquanto a turista olha para a mulher negra mal vestida de cabelos desgrenhados e se imagina nua, sendo cozida em um caldeirão prestes a ser comida por canibais. O que Brenda não contava é que a presença inusitada da estrangeira com mania de limpeza iria provocar uma verdadeira reviravolta capaz de transformar as duas mulheres, se tornando uma historia terna de amizade e recomeço.

O roteiro escrito pelo próprio Percy Adlon em parceria com sua esposa Eleonore Adlon nos apresenta uma comédia irreverente mas que, no fundo, é uma grande drama suavizado com um humor ácido e espirituoso, como recentemente presenciamos na série britânica ‘Fleabag‘. Ambas as protagonistas vivem histórias pesadas de abandono e de superação e assim também vivem os demais personagens daquele universo: Phyllis (Monica Calhoun), filha de Brenda que foge dos estudos e só quer farrear, claramente virando as costas para aquela realidade; Salomo (Darron Flagg) o outro filho de Brenda que foi pai adolescente e está preso ali com a criança mas que é um musico talentoso e, sempre que pode, vê na musica sua forma de escapismo; Rudy Cox (Jack Palance), ator e pintor aposentado que vive solitário lembrando de sua época em Hollywood; Debbie (Crhistine Kaufmann), tatuadora que oferece um pouco de ‘entretenimento’ aos caminhoneiros e o empregado Cahuenga (Jorge Aguilar), ali apenas trabalhando e vendo o tempo passar. Cada um deles com seus problemas internos e vivendo vidas sem proposito. Todas esse ambiente triste e desolado vai sendo aos poucos modificado, direta ou indiretamente, pela presença de Jasmin, e o resultado é um processo de cura catártico que vai transformar todas aquelas pessoas e, consequentemente, o lugar.

‘Bagdad Cafe’ é um filme sobre recomeços. Ao resolver repensar sua vida naquela parada de estrada esquecida no meio do nada, Jasmim vai se reencontrando, e com isso vai modificando não só o café de Brenda mas também todos os que ali orbitam. Ao se despir de seus preconceitos e se abrir para aquela nova situação, ela vai se permitindo curar várias feridas da sua própria alma, e acaba estendendo este processo de mudança para aquele ambiente. Jasmin parece ser a peça que faltava para uni-los e, ao interferir no todo, o todo também interfere diretamente nela. Lá pelo fim do segundo ato, após já ter pousado seminua para uma pintura e feito uma tatuagem, ela começa a aprender truques de mágica e a entreter as pessoas no café, que ganha então uma outra energia e se torna badalado, acolhedor, convidativo e divertido, assim como seus frequentadores. A última pessoa a se render à mudança é Brenda, que com seus inúmeros mecanismos de defesa, demora a baixar a guarda para a presença da outra mulher até que esta finalmente muda o status de pessoa suspeita para amiga querida.

Além do excelente roteiro, ‘Bagdad Café se torna uma obra prazerosa por apresentar uma belíssima fotografia do deserto de Mojave em todas as suas cores pasteis, constantemente contrastando com o tom azul do céu ou com as aquarelas do por do sol. O diretor utiliza esses belos enquadramentos, sobretudo, para demonstrar a passagem do tempo no filme, sempre pontuando as mudanças de período com as cenas dos caminhões trafegando na auto estrada com o deserto ao fundo. Outro ponto gratificante na obra é sua trilha sonora, composta por Bob Telson, que apresenta diversas variações da musica tema “Calling You”, interpretada por Javetta Steele, canção que inclusive rendeu ao filme uma indicação a melhor canção no Oscar de 1989.

Um aspecto destacável são as diferentes formas como Adlon conduz seus enquadramentos, ora com a câmera parada em planos aberto e médio, destacando apenas as ações dos personagens, ora com movimentos enérgicos e enquadramentos pouco convencionais, como quando a câmera balança no momento em que o carro bate na placa ou treme no momento de um espirro ou, ainda, quando apresenta a tela dividida em duas mostrando as duas mulheres em seus momentos mais frágeis. Contudo esta ‘câmera viva’ se destaca mesmo na pequena sequência de introdução que mostra Jasmin e o marido perdidos e brigando, a qual traz um viés cômico ao mesmo tempo em que apresenta inúmeros ângulos obtusos alternados até finalizar com uma plano aberto de Jasmin puxando sua mala no acostamento.

Não há como deixar de falar sobre o excelente trabalho que as duas atrizes oferecem. Marianne Sägebrecht, atriz germânica grande influenciadora do cenário artístico que ficou conhecida como a mãe da subcultura de Munique, encarna o papel da turista que esta fora de seu idioma e também de seu ecossistema, e, com isso, fala menos com a voz e mais com o rosto, principalmente com os olhos, enquanto CCH Pounder nos oferece a figura extremamente realista de Brenda como a mãe americana negra e lutadora que se torna uma pessoa ressentida pela necessidade constante de se manter na luta. Mas, sem dúvida, o grande mérito das atrizes é permitirem que o espectador vivencie cada fase das mudanças internas pelas quais seus papeis passam no decorrer do filme, ao ponto de, ao final, se torarem personagens muito mais ricas e complexas. De brinde temos o sempre charmoso Jack Palance interpretando quase que a si mesmo ao dar vida a Rudi como um personagem recolhido após ter vivenciado a fama e o sucesso, sem, no entanto, perder o magnetismo de tempos passados.

‘Bagdad Café’ é um filme simples, sem grande orçamento, mas que através de um roteiro charmoso e uma direção afiada conseguiu se tornar uma referência cult ao cinema dos anos 80. Apesar da simplicidade, não há como assistir a esta obra sem, no mínimo, terminar com um sorriso no rosto. A história remete àqueles tipos de encontros casuais que geram consequências tão marcantes ao ponto de mudar nossas vidas e ao acompanharmos toda a trajetória de Jasmin da fria Rosenhein até aquele meio do nada onde ela acha a si mesma, podemos reconhecer muitos processos de mudança que vivemos em nossas próprias vidas e os quais só percebemos após pararmos e olharmos para trás. O filme termina com uma sequência musical um tanto quanto desnecessária e até meio cafona, mas que em nada o prejudica, pois em meio a este número musical, vemos as duas mulheres de mãos dadas, agora amigas, agora em família. No fundo, ‘Bagdad Café’ é um filme sobre encontrar a felicidade em si mesmo. http://tangerinamecanica.com.br/encontros-e-recomecos-em-bagdad-cafe/

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