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UM DIA, UM GATO | VOJTECH JASNY | TCHECOSLOVÁQUIA | 1963

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    filmescults
  • há 4 dias
  • 4 min de leitura
Still do filme "Um dia, Um Gato"
Still do filme "Um dia, Um Gato"

“Um Dia, Um Gato” (1963), clássico do cinema tcheco, dirigido por Vojtech Jasný (1925-2019), venceu o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes e continua encantando novas gerações de cinéfilos mundo afora. Misto de comédia e fantasia, esse tesouro rodado na antiga Tchecoslováquia (que em 1993 se dividiu em dois países, República Checa e Eslováquia) mostra os moradores de um vilarejo atraídos pelo espetáculo de um mágico e seu gato, que usa óculos e, quando os tira, tem o poder de mudar a cor das pessoas à sua volta, de acordo com o caráter delas. Como assim? Isso mesmo, sem os óculos, o felino “revela” as pessoas pelas cores que lhes definem a personalidade: os mentirosos são roxos, os ladrões são cinzas, os falsos são amarelos e os apaixonados são vermelhos. Logo na primeira apresentação do mágico, acontece o maior pandemônio. Ao enxergar uns aos outros tingidos de diversas cores, os adultos da plateia fogem do local e, assustado, o gato escapa. Para localizá-lo, um professor local e seus alunos organizam uma busca, antes que o bichano, que é amado pelas crianças, caia em mãos erradas. O filme, disponível no streaming À La Carte, vai deixar você vermelhinho de paixão por esse gato tão singular. Nas palavras elogiosas do crítico Luiz Santiago, “’Um Dia, Um Gato’ é um filme simples em sua forma, uma crônica muito bem contada”. Confira abaixo o texto completo assinado por Santiago, publicado no site Plano Crítico.


CRÍTICA


Still do filme "Um dia, Um Gato"
Still do filme "Um dia, Um Gato"

Os anos 1960 trouxeram para o cinema um criativo fôlego nas produções de todo o mundo. Do Japão a Cuba, as cinematografias nacionais tornaram-se exemplos vigorosos de experimentação e alinhamento da política ao produto cinematográfico. Expressivos no mundo inteiro, os chamados “Cinemas Novos” constituíram um filão artístico muitíssimo representativo para a história da sétima arte. Além disso, as produções de caráter crítico tornaram-se comuns e cada continente teve um filme ou cineastas que se destacaram por obras que equilibravam poesia, experimentalismo e crítica social ou profunda análise da alma humana. Na República Tcheca, um dos muitos exemplos desse período é o filme Um Dia, Um Gato (1963), dirigido por Vojtech Jasny.

A história se passa em um vilarejo que recebe uma comitiva circense, da qual fazem parte um mágico, um gato que usa óculos e a própria Juventude. O tal gato possui poderes mágicos e, quando seus óculos são retirados, o felino passa a enxergar as pessoas pelas cores que lhes definem a personalidade: os mentirosos são roxos, os ladrões são cinzas, os falsos são amarelos e os apaixonados são vermelhos. Na primeira apresentação do mágico ao público do vilarejo a Juventude retira os óculos do gato e a plateia, espantada por ver as pessoas tingidas de diversas cores, foge do local. No pandemônio, o gato escapa. Caberá ao um professor local e sua turma da terceira série encontrar o animal antes que ele caia nas mãos de homens inescrupulosos daquela localidade.


Still do filme "Um dia, Um Gato"
Still do filme "Um dia, Um Gato"

A obra traz consigo um ar inocente que jamais é encoberto pela crítica feita às aparências e ao conservadorismo. Além disso, pode-se ver algo muito comum nas produções do Leste Europeu: o contato do homem com a materialidade, característica que acrescenta ao filme ares de conto de fadas, fábula, história infantil, e isso tudo é ainda intensificado pela música que, mesmo em excesso e não muito bem adequada a algumas cenas, encanta o espectador e finaliza o clima sobrenatural e bucólico da fita.

A figura do professor-diretor do Colégio, única pessoa na cidade que tem licença para matar animais e que mantém um museu de bicho empalhados, é a transposição do poder do Estado para a localidade. Com efeito, o personagem é a maior autoridade que vemos no filme, embora outros setores burocráticos e insinuações hierárquicas possam ser vistos no discurso de apresentação do filme, que é encabeçado pelo capelão do vilarejo, um imigrante grego de muitas histórias.

Os efeitos especiais são um espetáculo à parte, e mesmo não se ajustando totalmente ao contexto central da obra (aparecem “encaixados” em alguns momento), sua força diegética é tão grande que convence o espectador mais rigoroso. A ideia da coloração das pessoas por sua personalidade foi uma ótima sacada do roteiro de Jirí Brdecka e é vista na tela com uma certa estranheza mas muita pertinência dramática. Deve-se levar em conta o período em que foi realizado o filme e ver que a tecnologia usada para coloração ainda sofria muitas mudanças, testes e adequações.

Filmado alguns anos antes da Primavera de Praga, Um Dia, Um Gato também expõe os setores políticos, seja por sua existência ou sua ausência do cotidiano, tendo lugar expressivo a fiscalização e a corrupção. A “Revolução” que se dá no filme não usa a força ou derruba o sistema de produção do vilarejo, mas expõe publicamente os defeitos e os erros dos habitantes, até mesmo do professor-diretor, embora este não os assuma e se limite a ressaltar a nobreza e o impacto das confissões de outros camaradas. Esta “Revolução” é empreendida pelas crianças que desaparecem em protesto ao sumiço do gato — que elas sabiam estar nas mãos de pessoas que não queriam bem ao animal. As cenas de busca que precedem a “desobediência civil” dos pequenos é uma das coisas mais belas já vistas no cinema, com sequências filmadas numa floresta local contendo ingredientes que vão do humor à poesia visual. O filme também tem cenas musicais, danças, pinturas de gatos em cartazes e referências metalinguísticas.

Um Dia, Um Gato é um filme simples em sua forma, uma crônica muito bem contada (inclusive pela opção de usar um narrador que se dirige à câmera, fazendo do espectador um cúmplice ansioso pela história) e plasmada com imensa docilidade na grande tela, um exemplo de como questões sociais, políticas e antropológicas podem ser vistas por um ângulo fantasioso sem que percam a força ou a importância.


Still do filme "Um dia, Um Gato"
Still do filme "Um dia, Um Gato"

Um Dia, Um Gato (Az prijde kocour, Checoslováquia, 1963)

Direção: Vojtech Jasny

Roteiro: Jirí Brdecka, Vojtech Jasny e Jan Werich

Elenco: Václav Babka, Jirina Bohdalová, Pavel Brodsky, Vlastimil Brodsky, Vlasta Chramqstová

Duração: 91min




 
 
 

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