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Anna Karina , a musa da Nouvelle Vague francesa

Incentivada a se tornar atriz por ninguém menos que Coco Chanel, de quem foi modelo, a então jovem Hanne Karin, nascida na Dinamarca, mudou seu nome para Anna Karina e se eternizou como grande musa da Nouvelle Vague francesa, trabalhando com alguns dos maiores diretores de sua geração, principalmente com Jean-Luc Godard. Aliás, foi Godard quem deu a ela seu primeiro grande papel no cinema, no hoje clássico “Uma Mulher é uma Mulher”, uma atuação que a consagrou como Melhor Atriz no Festival de Berlim. Em 2013, Anna Karina (1940-2019) esteve no Brasil para receber uma homenagem, e, enquanto se preparava para vir, concedeu uma ótima entrevista por telefone para o jornalista André Miranda, publicada no jornal O Globo. Ao falar de Godard, ela demonstrou enorme carinho e gratidão pelo diretor: "Jean-Luc me ensinou tudo: a escrever, a falar, a conversar sobre cinema, a viver. Foram anos lindos aqueles, eu era jovem, é uma época da vida que não se esquece". Leia abaixo a entrevista completa.

André Miranda RIO - Tudo de que se precisa para fazer um filme, disse certa vez Jean-Luc Godard, é "uma garota e uma arma". Armas, Godard teve aos montes em seus filmes, de vários tipos, literais ou metafóricas. Mas com garotas foi diferente. Durante um bom tempo, houve apenas uma garota possível para o diretor francês, aquela que servia como seu alter ego, um lindo rosto jovem no qual o cineasta — e também os espectadores — poderia projetar seus sonhos. Nos anos 1960, para fazer um filme, o que Godard precisava mesmo era de Anna Karina.

Daqui a um mês, aos 71 anos, Anna Karina vem ao Brasil para ser homenageada na primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Brasília, a ser realizado entre 13 e 22 de julho. Atriz, ela ficou famosa sobretudo por sua participação em sete longas-metragens de Godard, com quem foi casada de 1961 a 1967. Mas Anna Karina também foi modelo de Pierre Cardin e Coco Chanel; esteve em filmes de Luchino Visconti, George Cukor e Rainer Werner Fassbinder; e gravou músicas com Serge Gainsbourg. Todas as atividades que ajudaram a definir uma estrela da Nouvelle Vague, para muitos a maior delas.

— Eu trabalhava muito naquele tempo, fazia de tudo. Hoje estou mais relaxada. Mas, também, bem mais velha — brinca Anna Karina, em entrevista por telefone. — Trabalhei com vários diretores, mas certamente devo muito a Godard. Jean-Luc me ensinou tudo: a escrever, a falar, a conversar sobre cinema, a viver. Foram anos lindos aqueles, eu era jovem, é uma época da vida que não se esquece.

Anna Karina foi a musa de Godard num tempo em que as musas não eram vendidas em liquidação em qualquer esquina midiática. Ser musa significava alimentar o desejo meio juvenil de um homem em ter por perto alguém para se admirar. O sexo, a nudez, tudo isso era consequência, não a causa, como ocorre hoje. Anna Karina foi musa por seu jeito sapeca-adolescente, um tipo que encantou o mundo do cinema e da moda nos anos 1960.

Nascida na Dinamarca como Hanne Karin, ela chegou a Paris com 17 anos, fugindo da casa da mãe por não se dar bem com o padrasto. Mal falava francês e não tinha trabalho. Um dia, na rua, foi abordada num café por uma agente, que achava que ela tinha jeito de modelo.

— Eu fiquei um pouco assustada. Meu avô sempre me disse para nunca falar com estranhos, mas eu é que era a estranha em Paris. Precisava falar com as pessoas para arrumar trabalho — lembra Anna. — Assim, comecei a fazer fotos para revistas e catálogos. Até que houve um dia em que estava num estúdio e uma estilista veio falar comigo. Ela disse que ouviu que eu queria ser atriz e perguntou meu nome. Respondi. Aí ela me falou que eu deveria largar aquele nome e passar a me chamar Anna Karina. Soava melhor. A mulher era Coco Chanel. Eu nem sabia de quem se tratava, não conhecia aquele mundo.

Só que aí, ao mesmo tempo em que Anna foi conhecendo o mundo, o mundo foi conhecendo Anna. Godard a viu num comercial de TV e queria que ela participasse de seu primeiro filme, "Acossado" (1960). O problema, porém, foi que Godard lhe ofereceu um papel pequeno, em que ela teria que ficar nua. Nada contra o pequeno, claro. Mas tudo contra a nudez.

— Eu era uma criança, muito tímida. Não ficaria nua de maneira alguma, muito menos com aquele sujeito que usava óculos escuros o tempo todo me pedindo. Ainda assim, ele me chamou para seu filme seguinte, "O pequeno soldado" (rodado em 1960, mas lançado apenas em 1963 por conta da censura francesa, que não aprovava as cenas de tortura). Logo falei que não ficaria nua, e ele me disse para não me preocupar, que era um filme político — conta ela. — Em seguida, começamos a namorar e nos casamos. Eu o amava, amava trabalhar com ele, mas a vida privada foi muito difícil. Eu era jovem, ele era um homem dez anos mais velho. Às vezes ele saía para comprar cigarro e só reaparecia três semanas depois. Aquela situação foi ficando insuportável para mim.

Antes da separação, Godard e Anna Karina fizeram juntos alguns dos maiores clássicos do cinema: "Viver a vida" (1962), "Alphaville" (1965) e "O demônio das onze horas" (1965). Por "Uma mulher é uma mulher" (1961), também dirigido por Godard, ela recebeu o Urso de Prata de melhor atriz no Festival de Berlim. E, assim, a criatura foi se desvencilhando do criador. Quando ainda era casada com Godard, ela trabalhou com Roger Vadim ("La ronde", 1964) e Jacques Rivette ("A religiosa", 1966).

Em 1967, Serge Gainsbourg a convidou para participar da comédia musical "Anna". O título não era coincidência: o roteiro foi escrito por Gainsbourg especialmente para ela. Anna cantou no filme e gravou músicas como "Sous le soleil exactement" e "Roller girl". Depois, atuou ao lado de Marcello Mastroianni no italiano "O estrangeiro", de Visconti; teve uma breve passagem por Hollywood, onde foi dirigida por George Cukor em "Justine" (1969); foi escalada por Fassbinder como a protagonista de "Roleta chinesa" (1976); e até dirigiu seus próprios filmes. O último foi "Victoria", um musical de 2007.

— Eu não sei por que Serge me escolheu para "Anna". Eu já havia cantado em outros filmes, mas não era cantora. Ele nunca me explicou. Naquela época ele ainda não tinha toda aquela fama. Era um homem muito divertido e um pouco cínico — conta a atriz. — Já George era incrível, de um coração gigante. Eu o adorava. Ele me dizia que eu precisava falar os textos de todas as maneiras possíveis, zangada, feliz ou triste. Para ele, tudo dependia da maneira como falávamos nosso texto.

Foram então a beleza, o talento e os trabalhos variados que renderam a Anna admiração pelo mundo. Quentin Tarantino, por exemplo, se inspirou na personagem de Anna em "Bande à part" (1964), de Godard, para montar o visual de Uma Thurman em "Pulp fiction" (1994). E, mesmo no Festival Internacional de Cinema de Brasília, há um detalhe que diz muito sobre a relevância de Anna Karina...

— Minha mãe viu a foto dela, com o nome impresso no alto, num jornal. E ficou encantada — diz Anna Karina de Carvalho, diretora-geral do Festival Internacional de Cinema de Brasília ao lado de Nilson Rodrigues. — A própria Anna Karina vai escolher seis filmes de sua trajetória para exibirmos em sua homenagem. Estamos muito felizes de conseguir trazer uma estrela como ela para Brasília.

Para mais dicas acesse nosso canal no youtube: Melhor do Cinema por Belas Artes À LA CARTE https://www.youtube.com/c/MelhordoCinemaporBelasArtesALACARTE


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