O excelente filme "A Lição" (Bulgária, 2014), dos diretores estreantes Kristina Grozeva e Petar Valchanov, é o primeiro de uma trilogia com histórias inspiradas em notícias cotidianas. A dupla de diretores revelou enorme talento e afinidade logo na estreia, chamando a atenção do mundo para a discreta cinematografia da Bulgária. Peter Valchanov conversou com o jornalista Fabiano Ristow em entrevista para O Globo: "No papel de realizadores, queríamos que a história fosse como um pedaço cru da vida e carregasse autenticidade, de modo que os espectadores pudessem se enxergar na pele da personagem principal. O que acontece com ela poderia acontecer com qualquer um de nós". Leia a seguir a entrevista na íntegra.
Longa búlgaro ‘A lição’ abre trilogia sobre gente comum forçada a tomar decisões extremas
Codiretor diz que drama explorado no filme poderia acontecer com ‘qualquer um de nós’
Fabiano Ristow
RIO — Um dia, os diretores búlgaros Petar Valchanov e Kristina Grozeva liam o jornal quando se depararam com a manchete: “Professora rouba banco!”.
— A história era absurda, extrema, um sintoma da extrapolação das normas morais — lembra Valchanov.
Foi a busca das respostas às questões levantadas por aquele caso que inspirou a dupla a escrever o roteiro de “A lição”, em cartaz no Rio desde quinta-feira.
Mas não só isso: eles também queriam lançar um olhar mais profundo e honesto sobre a história, que fosse além do sensacionalismo daquelas três palavras — ou, como diz Valchanov, contar uma “parábola contemporânea”.
O longa-metragem, o primeiro dos cineastas premiados na seção Novos Diretores do Festival de Cinema de San Sebastián, no ano passado, na Espanha, aborda dois dilemas na vida da professora Nadezhda (vivida pela atriz Margita Gosheva, numa atuação elogiada pela crítica mundo afora). Na sala de aula, ela tenta desvendar a identidade do aluno responsável por roubar outros colegas. Já na vida pessoal, enfrenta uma tragédia financeira: sem dinheiro para pagar as prestações, passa a correr o risco de perder a própria casa.
Antes, o currículo da dupla se resumia a curtas-metragens, entre eles “Skok”, premiado em festivais europeus. “A lição” foi filmado com poucos recursos.
— O maior desafio foi não fazer concessões criativas por conta do baixo orçamento — afirma Valchanov.
'UM PEDAÇO CRU DA VIDA'
A maneira realista com que a câmera segue a protagonista em direção a situações extremas e ao longo de dias cada vez mais estressantes, culminando num terceiro ato que beira o gênero do thriller, fez com que Valchanov e Kristina fossem comparados aos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, de filmes como “A criança” (2005), “O garoto de bicicleta” (2011) e “Dois dias, uma noite” (2014).
— No papel de realizadores, queríamos que a história fosse como um pedaço cru da vida e carregasse autenticidade, de modo que os espectadores pudessem se enxergar na pele da personagem principal — diz Valchanov. — O que acontece com ela poderia acontecer com qualquer um de nós.
Agora, Valchanov e Kristina planejam fazer mais dois filmes baseados em artigos de jornais. O segundo, que deve se chamar “The pledge” (“Zalog”, no original), terá como protagonista um trabalhador ferroviário que encontra uma grande quantia de dinheiro nos trilhos de um trem. Assim como em “A lição”, cada capítulo da trilogia vai se concentrar num cidadão comum forçado a tomar decisões extremas.
— São três histórias sobre três pessoas normais lutando contra o sistema e contra valores morais deturpados. Eles tentam superar o desespero sem abrir mão de seus princípios, mas, no fim, acabam se tornando vítimas de si mesmos — diz Valchanov. — Se em “A lição” tudo gira em torno de 8 mil levas (moeda búlgara; a quantia equivale a cerca de R$ 4.500), “The pledge” vai começar com milhões. Para assistir ao filme, clique no link abaixo: https://www.belasartesalacarte.com.br/a-licao https://oglobo.globo.com/cultura/filmes/longa-bulgaro-licao-abre-trilogia-sobre-gente-comum-forcada-tomar-decisoes-extremas-16434678