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A Árvore dos Frutos Selvagens | Turquia | 2018 | Nuri Bilge Ceylan

"A Árvore dos Frutos Selvagens" (Turquia, 2018) tem direção do turco Nuri Bilge Ceylan, um dos diretores contemporâneos mais consagrados internacionalmente, ganhador de nada menos que oito prêmios no Festival de Cannes, até hoje, entre eles a Palma de Outro pelo belíssimo "Winter Sleep" (2014). Com roteiro escrito por ele, em parceria com Ebru Ceylan, sua mulher e colaboradora de longa data, "A Árvore dos Frutos Selvagens" não levou nenhum prêmio em Cannes, onde concorreu à Palma de Ouro, nas recebeu 15 minutos de aplausos de pé em sua primeira exibição no Festival. Com citações da obra de grandes nomes da literatura, entre eles Anton Chekhov e Fyodor Dostoevsky, o filme tem três horas de duração, mas faz valer cada minuto, como defende o crítico Ernesto Barros, do Cine HQ: "Aparentemente, a longa duração pode impor algum receio para quem está acostumado a filmes mais rápidos e que seguem conceitos de ação e reação. Mas, se o espectador, principalmente aquele que não conhece o trabalho do cineasta, se deixar levar, vai ter acesso ao universo de um dos cinemas mais importantes da atualidade". Leia abaixo a crítica completa.

Crítica: A Árvore dos Frutos Selvagens (Ahlat Agaci), de Nuri Bilge Ceylan

Publicado por Ernesto Barros

Neve, montanhas, história, literatura, teatro, crítica ao fundamentalismo religioso e um claro posicionamento político são algumas das marcas do cinema do turco Nuri Bilge Ceylan. Para muitos cinéfilos, entretanto, ele pode ser mais lembrado pela longa duração de seus filmes mais recentes, todos com mais de 3h, como os magistrais Era Uma Vez na Anatólia (Bir Zamanlar Anadolu´da, 2011), e Sono de Inverno (Kis Uykusu, 2014), que conquistaram em Cannes, respectivamente, o Prêmio Especial do Júri e a Palma de Ouro.


A Árvore dos Frutos Selvagens (Ahlat Agaci, 2018), seu terceiro filme-rio, que também estreou em Cannes, no ano passado, estranhamente passou em branco quanto à premiação. O que não é nenhum desabono, ao contrário. O filme está em cartaz no Cinema da Fundação/Derby e Museu, em Casa Forte. O novo longa segue estrutura semelhante à de Sono de Inverno, mas o que ele tem de mais notável, além de toda a estética na qual é construído, é que A Árvore dos Frutos Selvagens é o filme mais político da carreira de Ceylan. É o primeiro em que ele, abertamente, mostra o estado das coisas da Turquia sob o domínio do presidente direitista Recep Erdogan.


Embora não toque no nome de Erdogan, Ceylan elege um personagem, um jovem recém-formado, que pretende seguir a carreira de professor e escritor. O problema é que ele não encontra trabalho nem reconhecimento do talento literário. Esse olhar para a realidade atual do país também já estava presente em Sono de Inverno, em que as diferenças de classe eram evidenciadas nos embates entre um intelectual rico, dono de várias residências, e uma família de inquilinos pobres que não tem dinheiro para pagar o aluguel.


Nesses três filmes mais recentes, Ceylan tem exercitado um cinema com amplo desejo de contar histórias, com seus esforços direcionados para os diálogos, em que longas discussões entre os personagens tratam de temas candentes, como as questões religiosos e seus tabus seculares. Em A Árvore dos Frutos Selvagens, ele conta os acontecimentos em torno de três voltas do jovem Sinan Karasu (Dogu Demirkol) à casa do pais. Ceylan marca bem as partes do filme, cada uma trazendo uma nova virada na vida dos seu personagem, que vai mudando de ponto de vista de acordo com as relações familiares e o que acontece ao seu redor, especialmente a falta de oportunidades.


Na primeira, Sinan volta da universidade depois de terminar um curso de professor, uma profissão muito cobiçada, apesar das condições climáticas difíceis de certas regiões da Turquia, principalmente no inverno, para onde são mandados. Ele vê que a situação do pai, o professor Idris (Murat Cemcir), continua a mesma de quando saiu, entregue às apostas e deixando a família em maus lençóis com dívidas sem fim. Por um acaso, encontra Hatice (Hazar Ergüçlü), uma paixão não-correspondida dos tempos de escola, mas que se mostra receptiva amorosamente, embora diga que vai casar por interesse com um homem rico. Vários incidentes, inclusive um com o escritor Suleyman (Serkan Keskin), o mais famoso da reunião, além das tentativas de publicar seu livro, acabam mostrando que ele tem que procurar outro caminho, porque também não passa no concurso para professor.


A segunda volta é quando traz o livro já editado. Tenta entregar ao pai, o que não acontece, mas dá um de presente à mãe, que resplandece de felicidade. No capítulo final, Sinam volta depois de ter prestado o serviço militar, encontra o pai morando na casa do avô, distanciado do mundo e em busca de uma verdade interior impalpável.


Através de planos elaborados, abertos, fixos e com movimentos precisos – repare no vento que levanta os cabelos de Hatice e como a câmera se move a seguir – , além da paleta de cores que respeita a cor local e o branco da neve, Nuri Bilge Ceylan faz de seus filmes, principalmente este A Árvore dos Frutos Selvagens, uma experiência cinematográfica das mais completas.


Se, tecnicamente, seu filmes são primorosos, sua visão sobre a Turquia e seus personagens, que não se vendem por dinheiro algum, é uma consumada lição de humanismo. Aparentemente, a longa duração pode impor algum receio para quem está acostumado a filmes mais rápidos e que seguem conceitos de ação e reação. Mas, se o espectador, principalmente aquele não conhece o trabalho do cineasta, se deixar levar, vai ter acesso ao universo de um dos cinemas mais importantes da atualidade. A Árvore dos Frutos Selvagens, com suas doses de dor, desespero, inconformismo e abandono, é desde já um dos melhores filmes que veremos este ano nos cinemas.



Para mais dicas de filmes, acesse nosso canal no youtube: https://www.youtube.com/c/MelhordoCinemaporBelasArtesaLACARTE


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