Cena do filme "Nos Vemos no Paraíso"
“Nos Vemos no Paraíso” (França/Canadá, 2017), além de contar uma linda história sobre parceria, amizade e lealdade, é visualmente deslumbrante. Produção, direção de arte, fotografia, é tudo impecável. Adaptado de um livro do premiado escritor francês Pierre Lemaitre, o filme é dirigido por Albert Dupontel, que também atua como um dos protagonistas. A história se passa na França, em 1918, poucos dias antes do fim da Primeira Guerra Mundial. Albert e Edouard, interpretado por Nahuel Pérez Biscayart, são dois combatentes que se tornam amigos inseparáveis quando um salva a vida do outro em um bombardeio. Albert é um contador despretensioso enquanto Edouard é um talentoso desenhista, agora desfigurado. Unindo as suas habilidades, eles armam um golpe espetacular para desmascarar um militar tirano que lucra sobre os mortos da guerra e para fraudar o governo francês. O golpe inclui a troca de identidade de Edouard pela de outro combatente morto. Agora, vivendo escondido e com o rosto sempre coberto por máscaras espetaculares que ele mesmo produz, Edouard só espera pelo grande dia de desenterrar mentiras, ressuscitar a si mesmo e acertar contas com o pai, um homem rico e poderoso com quem ele nunca se deu bem, motivo pelo qual foi lutar no front.
As qualidades técnicas e visuais de “Nos Vemos no Paraíso” foram bem reconhecidas por Lúcia Monteiro, em sua crítica publicada na Folha de S. Paulo, na qual ela diz que quanto a atuação do diretor/ator Albert Dupontel, talvez fosse melhor não tê-lo nas duas funções. No entanto, Lúcia rasga elogios para o outro ator principal, Nahuel Pérez Biscayart: “As engenhosas máscaras que lhe cobrem o rosto não nos impedem de acessar suas emoções — a expressividade de Biscayart deve ser louvada”. Para quem quiser conferir esse belo filme, ele está disponível no streaming À La Carte. Já a crítica de Lúcia Monteiro encontra se abaixo, integralmente.
"Nos Vemos no Paraíso" tem combinação rara de extravagância e naturalismo
Por Lúcia Monteiro
Cena do filme "Nos Vemos no Paraíso"
Filme baseado em livro de Pierre Lemaître narra final da Guerra de 1914 e vida em Paris após armistício.
Com uma combinação rara de extravagância e naturalismo, Albert Dupontel leva às telas o romance que rendeu a Pierre Lemaître o prêmio Goncourt de 2013, narrativa dos últimos dias da Guerra de 1914 e da vida em Paris após o armistício.
"Nos Vemos no Paraíso" é narrado em primeira pessoa por Albert Maillard (interpretado pelo próprio Dupontel), que rememora, num longo flashback, seu tempo de soldado na Colina 113. Numa batalha, Albert cai em um buraco e seu amigo Édouard Péricourt (Nahuel Pérez Biscayart), ao resgatá-lo, é atingido por um obus que lhe deforma o rosto definitivamente. Depois da guerra, os dois se associam numa série de trambiques.
A história de um sobrevivente desfigurado que muda de identidade não é nova no cinema – poderíamos lembrar o hábil roteiro de “Phoenix" (2014), de Christian Petzold. Mas, embora os dois filmes compartilhem o clima noir, o tom escolhido por Dupontel é outro.
Cena do filme "Nos Vemos no Paraíso"
A visualidade fantasiosa, o encadeamento das ações fluido, porém pouco verossímil, a mise-en-scène maneirista e a atuação do próprio realizador no papel de protagonista conferem aspecto farsesco ao longa francês. Mas é verdade que o absurdo da guerra e suas situações extraordinárias justificam os excessos.
Eles estão presentes em primeiro lugar na fotografia. O tom sépia recorrente em narrativas de época se soma a uma paleta de cores que vai do mais sombrio (nas cenas de hospital ou no sótão onde vivem os protagonistas) à exuberância extrema (como no terno amarelo de Albert).
Pontuado por coincidências pouco críveis, o roteiro não chega a surpreender. Consegue, no entanto, comover, sobretudo graças ao cativante personagem de Édouard. As engenhosas máscaras que lhe cobrem o rosto não nos impedem de acessar suas emoções — a expressividade de Biscayart deve ser louvada.
Cena do filme "Nos Vemos no Paraíso"
Mas, se os filmes anteriores de Dupontel chamavam atenção pelas soluções criativas, seu longa de maior orçamento (perto de 20 milhões de euros) se destaca pelo exibicionismo na mise-en-scène.
No início, o plano aéreo que acompanha um cão mensageiro até a trincheira soa gratuito. Mais prazer visual traz a entrada de Albert na mansão da família Péricourt: um plano-sequência de dois minutos com movimentos bem arquitetados de quatro personagens põe em evidência o contraste entre a suntuosidade dos moradores e a condição modesta do convidado.
Por fim, a atuação de Dupontel deixa a desejar. Seu olhar, sempre assustado, traz uma comicidade às vezes inadequada. Neste caso, talvez fosse melhor não tê-lo como ator e diretor.
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