Por André Sturm, presidente e curador do Belas Artes Grupo
Diretamente do mais charmoso festival de cinema, Cannes, escreverei a partir de hoje meu relato sobre esta grande festa!

foto: VALERY HACHE / AFP
Como fiquei em quarentena, decidi fazer o programa completo e pedi um convite para a noite de abertura. Para entrar há sempre um grande esquema de segurança, é preciso chegar antes, tal e tal. Mas este ano, com o adicional das medidas anti Covid, o acesso ficou ainda mais lento. No convite pedia para chegar às 17h55. Fui para meu apartamento e me vesti a caráter: smoking com gravata borboleta. Aqui, verão total: sol forte, uns 28 graus! E uma caminhada de 15 minutos até a entrada.
Chegando lá, uma emocionante fila que tinha uns 100 metros. Huhu! Tudo pelo cinema. Vagarosamente andamos, enfrentei todos os seguranças e múltiplas exibições do convite e teste para finalmente chegar ao tapete vermelho. Como eu sou mero mortal, subi pela lateral. Algumas escadas adicionais e sentado numa poltrona, no balcão, mas boa visão. Durante a espera, eles projetam na tela as imagens do tapete vermelho. Cheguei a levar minha revista de palavras cruzadas, mas nem precisei. É divertido ver famosos e pretensos famosos se exibindo para os fotógrafos! Alguns destaques. Os convidados chegam em carros e param em frente ao Palais. Descem, e esperam para desfilar pelo tapete vermelho, em frente a um batalhão de fotógrafos. A maior parte desce e rapidamente segue para a passarela.
Uma informação importante: do outro lado da rua existe uma grade onde ficam centenas de fãs ardorosos que chegam muito cedo para poder ver os artistas e, eventualmente, conseguir uma foto ou autógrafo. Num momento vejo uma mulher ruiva, num lindo vestido, junto à grade onde fica o público, distribuindo autógrafos. Quem será? Quando ela se vira para seguir, o rosto de Jessica Chastain se revela. Sempre fui fã. Acho uma atriz extraordinária. Fiquei mais fã ainda. Ela ficou uns bons 10 minutos autografando para pessoas e nem era um filme com ela.
Muitas outras estrelas chegaram e, finalmente, é a vez dos carros com a equipe do filme da noite. São sempre os últimos. De um carro saí a maravilhosa Marion Cotillard. A câmera estava em frente à porta do veículo. Um segurança ao lado indicou para ela seguir para a passarela. Ela ignorou, pegou uma caneta de alguém e foi para a galera. Até foto ela aceitou tirar. Um assistente teve que ir chamá-la para todos poderem se apresentar no tapete vermelho. Outra que sempre adorei e que cresceu ainda mais na escala! Então vemos a equipe lado a lado. Foi engraçado ver o imenso Adam Driver (que deve ter 1,90m) ao lado do pequenino Simon Helberg (o talentoso Howard de Big Bang Theory). E, o “enfant terrible” de butique, Leos Carax...TODOS os homens no evento de smoking e gravata borboleta. Mas ele usando uma camisa que parecia estar no quinto dia seguido e um paletó qualquer. Nos anos 60 isso poderia ser ousadia. Em pleno século XXI não passa de adolescência atrasada...aliás, combina muito com o filme que passou depois. Mas isso fica para o próximo texto.
Finalmente todo mundo entrou. Uma jovem atriz, que não entendi o nome, é anunciada como apresentadora. Ela entra, e sai falando um texto daqueles típicos de abertura de festival. Ela interpretava como se fosse algo dela, mas claramente devia ter uma tela. Ninguém consegue falar tantas coisas óbvias sem ler...para completar, em certo momento até um pianista tocando uma melodia “melosa”. Finda esta introdução, anunciou a homenageada da noite, Jodie Foster, que entrou no palco, sendo aclamada pela plateia. Fez um curto e belo discurso, num magnífico francês, dizendo que nestes dias trancada em casa pôde aproveitar para ver e rever grandes mestres. Iniciou citando Kurosawa, Scorsese e Lina Wertmüller. Depois gentilmente citou, com merecimento, os presentes Almodóvar, Bong Joon-ho e Spike Lee.
Na sequência foi apresentado o júri, sendo chamado um por um. Vou me abster de comentar um por um, mas foi uma sucessão de clichês...destaco apenas a bela discrição da cineasta Mati Diop. Lindo figurino, mas totalmente discreta. Já tinha gostado de sua declaração na coletiva do júri, quando ela declarou: “Quando não for mais necessário reparar se um filme foi dirigido por uma mulher, será quando o cinema será o verdadeiro assunto”. Sensacional. Especialmente vindo de uma mulher que sempre é apresentada como “a primeira cineasta negra a competir pela Palma de Ouro”. Meus aplausos. Voltando ao júri, Mr. Spike Lee, rei do marketing estava usando um smoking “pink”, com óculos de Willy Wonka no mesmo tom. E, muito discreto, o representante brasileiro, o cineasta Kleber Mendonça.
Para felicidade geral, e a minha em particular, na sequência foi chamado Ele: o genial Pedro Almodóvar! Veio anunciar a Palma de Ouro honorária para Jodie Foster. Ele começou dizendo: “quando a direção do festival me convidou para vir, aceitei por dois motivos. O primeiro para festejar o retorno do cinema na tela grande, compartilhado pelas pessoas”. Tem pessoas que sabem o que dizer! E na sequência elogiou muito Jodie Foster, lembrando que ela foi assistir a um de seus primeiros filmes numa sessão em Nova Iorque. Cinéfilo, generoso, genial! Jodie Foster fez um curto e belo agradecimento, novamente em perfeito francês. Nossa apresentadora alegre citou então os artistas do filme da abertura e fez uma insinuação de que existe algo mais entre o casal principal…
Logo após entrou outro gênio, Bong Joon-ho, convidado para declarar o festival aberto. Ele fez questão de falar em coreano! Outro genial! Aí, num “improviso” planejado, juntaram-se Joon-ho, Jodie Foster, Almodóvar e Spike Lee, lado a lado. Eles iriam anunciar cada um em sua língua. Joon-ho, gentil, passou a palavra para Jodie. Ela então, mostrando espontaneidade, indicou a ele que olhasse para a “tela” que dizia o que eles deviam fazer. Ele pegou o microfone de volta e disse, em inglês “eu declaro a 74ª edição do Festival de Cannes”. E aí cada um falou, em sua língua (Jodie Foster em francês) “aberto”. Todo mundo saiu e achei que começaria finalmente o filme. Imagina! Acendem-se as luzes e muita gente começa a sair. Eu pensei que estas pessoas tinham vindo assistir apenas a cerimônia...no palco, começaram a desmontar todo o enorme cenário. Após uns 15 minutos, perguntei para uma atendente se demoraria muito. Sim, uns 15 minutos! Fui atrás de um banheiro. Centenas de pessoas tinham tido a mesma ideia. A fila do feminino tinha umas 50 mulheres, sem exagero! Missão urinária cumprida, voltei a minha confortável poltrona e esperei pelo aguardado filme...assunto para o próximo texto. Aguardem, amanhã tem mais!
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